23 junho 2007

serenar

o sereno é a chuva que cansou de cantar...

21 junho 2007

O pulo e a corda


Tentava imaginar que o movimento não tinha mistério algum, o ato de descrever um círculo com os braços e fazer girar a corda sobre a cabeça realmente não apresentava muita complexidade. Ela mesma, quando menina, já havia perdido manhãs e tardes nisso sob o caquizeiro, lembra ao sentir o cheiro do sisal molhado.

O grande feito estava, porém, no cálculo exato do momento do pulo.
Nem cedo demais, para não voltar a ter as cordas sob os pés,
Nem por demais tarde, para não ser açoitada pela aspereza da corda pesada.

Talvez se ela ensaiasse sem a corda... talvez se tentasse mentalizar o movimento antes de fazê-los, talvez se..., não adiantava, era preciso pular.

Segurou firme as duas pontas e arremessou a corda, fechou os olhos e pulou.
Logo saberia se o momento havia sido o certo.

20 junho 2007

Surda


E esse silêncio que as coisas têm às vezes?

Essa coisa de o mundo não querer mais se contar pra mim.

E eu ficar com cara de surda olhando a janela...

Tábua Corrida


Apagou a luz da sala, deixou apenas que o pálido facho que vinha do poste da frente iluminasse o chão de tábuas gasto.

Tirou os sapatos e os colocou no canto, virados contra a parede, não queria nem a eles como testemunha.

Olhou o cômodo escuro, as paredes nuas e mobílias rotas. Andou com os pés descalços a escrever círculos na poeira fina e fria.

E foi assim, com movimentos suaves, ensaiando uma evolução de passos e giros lentos pela sala. Tocando com os dedos abertos o ar úmido e denso que dançava contrariado arrastado por seu vestido.

Ela testava a dimensão do cômodo com o movimento do seu corpo e ia de encontro às paredes e descia por elas e subia novamente e voltava ao chão.

Agora ela podia fechar os olhos e dançar pra dentro, e de olhos fechados ela se via dançando, não naquela sala escura mas em uma sala clara sem tetos e sem paredes que a tocassem.

14 junho 2007

É coisa pouca o que te peço.


Peço-te que chegue em silêncio, me olhe de dentro de você e que me cubra dessa mansidão.
Peço também que respire calma e pesadamente aqui onde o pescoço encontra o ombro e onde a paz econtra a fúria.
Não te peço que me entendas, fica até melhor assim.
Mas peço ainda que me alise a face, e me beije de leve como me acordasse de um sonho ruim.
E por útlimo peço-te que saia como chegou, em silêncio, sem acender a luz, para não me ver aprendendo a te amar em sonhos.

13 junho 2007


No princípio ele estava lá, e ela o olhava com olhos mansos de alcançar.

E ele pegava sua mão, e ela ia (re)conhecendo pedaços dela nele.

E ia decorando seus contornos, aprendendo seus sons e seus gestos.

Ela ia pisando a areia marcada dos seus pés, medindo se ali cabia um pouco mais dela.



E ela era toda doação.

Ela era toda devoção.


ele era o vento...

12 junho 2007

saudade não dói tanto assim...



não sei que nome tem isso que não se parece com nada conhecido.
me tira do chão, me deixa suspensa e desamparada, me joga depois contra a parede.
se perde entre mil lembranças, me faz rir e me deixa zonza.
e vem o cheiro dela, e vem o som da risada, e vem a cor dos olhos...
e eu tento entender, tento explicar, fico muda...

é um querer ter perto
é um saber nunca mais
é um sofrer demais...

Hoje eu não vou


não vou 'bom dia',
não vou tropeçar no mesmo bueiro,
não vou olhar pros dois lados,
não vou escolher o mais barato,
não vou contar as moedas do troco,
não vou aproveitar pra jogar,
não vou comprar o jornal pra ler no balcão
não vou tomar um café forte,
não vou reparar a sujeira do bar,
não vou levantar e pagar a conta,
não vou caminhar lendo a manchete distraída,
não vou correr pra perder o ônibus,
não vou me espremer na roleta fria,
não vou ver a chuva fina no vidro,
não vou chegar afobada e atrasada,
não vou 'décimo, por favor'
não vou levantar a cada minuto pra um café ou uma água,
não vou olhar impaciente o relógio,
não vou levantar e dar um longo suspiro,
não vou 'até amanhã',
não vou me olhar triste no espelho sujo,
não vou descer correndo escadas molhadas,
não vou 'tenho não querida...'
não vou me espremer meu corpo contra outros vários corpos,
não vou 'boa noite'
não vou ter vontade de fazer xixi ao girar a chave,
não vou me jogar no sofá cansada.

pois nele ja estou, cansada

Sonhos


à noite ele escrevia coisas na sua sala
e pela manhã as paredes estavam vestidas de tinta...
assim ela conseguia adivinhar o que sonhara seu menino

11 junho 2007

Vem...


Vem no vento
vem pra mim
vem como quem já se vai
vem pra fazer falta
vem com a calma da manhã
e vem com a pressa da fome
vem pra chover em mim

vem e me traz junto

Textura




Depois daquela noite, passava os dias a correr os dedos sobre as superfícies todas buscando a mesma textura da pele quente daquela moça.
Procurou em outros corpos, em cada um dos tecidos das lojas, em cascas de frutas, em flores e em peles raras de animais idem, não encontrava. Não estava lá, nunca acharia...

Foi assim, que ao suspirar cansado, encontrou no cheiro que o vento trazia, toda a maciez e o calor perdidos naquela noite.

06 junho 2007

O mundo não tem cabimento!
E eu não caibo em mim...

O segredo da boa tostada...


Porque tem coisas no mundo que nunca vão mudar...

A lembrança do cheiro de caqui que vinha do quintal quando chegava o outono;

O gosto da cuca de banana da que a gente comia na rede da varanda;

O tom daquele vermelho desbotado do vestido de caipira que eu queria usar pra ir ao colégio todo dia...


O frio na barriga de quando você vinha em minha direção.

As horas que perdi vagando dentro do teus olhos mutantes.

Cada um dos cinco minutinhos topológicos de letargia a dois na cama dos elefantes.

A ternura que corria em mim quando na garupa da Olga eu colava meu corpo quente no da frente.

O tesão de te surpreender me olhando com olhos de menino.


Talvez seja esse o segredo da vida, como o da boa tostada, não medir em nada, ser assim abundante sentimento, ser vontade e ser fome...

05 junho 2007


Pelas ruas e becos da cidade eu esbarro nas pessoas que eu não sou. Que conversam com seus amigos que não me conhecem. Para os quais minha presença não diz nada.
E sigo assim, a tropeçar na vida que eu não levo.
Quem seria eu se fosse outro? Quanto de mim há na sóbria recepcionista que me fita? Qual parte desse pedinte faminto eu sou? O que dessa criança que ri cabe em mim?
Por onde vago em sonhos quando experimento ser você?

04 junho 2007

A moça e seu jardim


Sentada diante de mim, cruzava as longas pernas enquanto segurava o copo entre os dedos finos. Na outra mão, queimava esquecido um cigarro.

Usava pesados brincos que desciam pelo pescoço e balançavam caóticamente quando ela toda se ria.

Falava muito, e no seu falar tentava afogar o peso do meu olhar sobre seu colo.

Pensava que ao me contar suas mentiras ela ia me conduzindo pelas mãos ao largo de seu coração.

Era como uma criança nua, que ao tapar os olhos se pensa invisível.

Em um dado momento desistiu, se rendeu, deixou quietos os brincos e os olhos sobre os meus.

E entendeu que quanto mais devaneava, mais me escancarava o portão de seu jardim dos medos, neuroses e taras.

03 junho 2007

As quatro cores do dia


Hoje eu quero ser pra sempre cor.

De manhã escolho um verde pistache, que tem vida, que tem cheiro de mato.

Depois do almoço passo sem contrangimentos pra esse magenta escandaloso. Enérgico, libidinoso.

Meu fim de tarde é azul hortência, cor que me acalenta com cantorias antigas.

Mas enfim anoiteço sempre nos braços desse gris assustado, com cheiro de mofo e saudade.

02 junho 2007

a mim


eu me invento,

me refaço de vento

me tento, me provoco

me evoco há tempos.


eu tento, faço como posso

me provo, me tempero

me dispo, me entrego

me minto e me calo.


depois dia

depois brisa

depois eu


eu me desinvento