29 outubro 2008

Paredes




Limpou toda a parede de lembranças: retirava as telas, os quadros, os móbiles.

Ia apoiando-os no chão encardido.

Até retirar cada peça antiga que, ao sair, deixava uma memória de poeira na parede.

Afinal, viu a sala como ela: cheia das marcas do tempo.

Ilha

Pensava que o sentido de tudo estaria no espaço vazio que a circundava.
É que imersa nesse vazio, ouvia extasiada o silêncio. E tantas coisas que lhe contava sobre os tempos.

A ausência de tudo lhe ensinou a medir impossibilidades.

27 julho 2008

Vestindo




Meu olhar sobre o inédito
Vai vestindo-o de significados soltos, desconexos.
Até que o nunca visto se sature de tantos retalhos de imagem que ja não seja possível
Chamá-lo de inédito.

02 junho 2008

Mãos pequenas

Hoje, enquanto eu dormia,
a menina entrou no quartinho dos fundos pela janela.
Aquele cômodo escuro onde se guardam fardos de medos e outras angústias.

E que, com a presença da menina, se iluminou
mais e mais.
E visto assim parecia um cabaré, um circo ou coisa afim.
Com seus muitos baús de guardados e fantasias em retalhos.

E, ao ver a serenidade com que ela vestia e tirava as fantasias,
e escolhia adereços com sua mãos pequenas
criando enredos novos e novas cenas.
Eu amanheci suave.

21 abril 2008

Germana

Se a garganta arranha e o neon ainda ofusca.
Me pede uma envelhecida, e me conta uma mentira à toa...

Outono


e o outono segue me enganado com suas paisagens de cores esmaecidas e seus ventos incidentais, ora mornos, ora molhados...

e eu que agora quero sol, antes só quis sombra,

penso na falta que faz o inverno e sua honestidade...

20 abril 2008


que não te quero nunca lastro,

te quero perfume de fruta,

sandália de dedo,

dia santo dormindo.

26 março 2008

Ser

E experimentar o ser dos outros.
ser na sombra da moça ali parada,
ou sob o chapéu do velho de bengala.

ser novo vento que varre a montanha,
ser seco solo que arde vermelho.

ser onde nunca se foi,
ser além do que sempre se soube.

saber que o ser é livre,
as escolhas dançam.

Dia

um dia pode amanhecer com muitas caras,
eu gosto muito dessa.

uma cara serena, sem novidade,
sem pressa, alheia

tão sem mim.
essa cama é estreita demais,
nela não cabem meus sonhos.

18 março 2008

Renata


ela, que nunca sossegou, caneta no papel.
que me olhava de cima das pernas longas com todo luxo
e um all star sujo.

ela, que se ocupava de sussurros e silêncios molhados
e era toda fúria de flor do mato

ela, que dividiu tantas noites de província comigo,
hoje passeia de bicicleta na ponte entre meu ser e vir a ser.

ela, que vestia as cores esquecidas e as asas aro 26 e voava pra dentro da história,
que é onde começa e onde termina o tempo de sonhar.